O consumidor terá mais segurança ao adquirir um imóvel. A 2a Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a construtora, em caso de rescisão contratual de promessa de compra e venda, deve restituir imediatamente os valores recebidos, seja qual for o motivo do fim do negócio. O caso foi julgado como recurso repetitivo, ou seja, serve de orientação para os demais juízes.
Segundo a decisão, se a rescisão decorrer de atraso da construtora, os valores devem ser restituídos integralmente. Se o contrato for quebrado por desistência ou inadimplência do comprador, pode-se devolver apenas parte dos valores, a depender do caso concreto.
O caso julgado envolve um contrato firmado entre dois consumidores e a APL Incorporações e Construções. Segundo o processo, eles desistiram do negócio por não conseguir pagar o financiamento e foram à Justiça questionar uma cláusula de rescisão do contrato que determinava a restituição das parcelas somente no término do empreendimento.
A 3a Vara Cível de Florianópolis entendeu, porém, que a cláusula seria abusiva e determinou o pagamento imediato das parcelas, apenas com o desconto do que foi pago de sinal. A construtora recorreu ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), que manteve a sentença. A discussão, então, foi levada ao STJ.
A Defensoria Pública da União, que participou como amicus curiae (parte interessada) opinou pelo reconhecimento da jurisprudência, que prevê o pagamento imediato do que já havia sido quitado. A descontar somente os custos gerados ao incorporador, desde que devidamente comprovados.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, ao entender que há uma multiplicidade de recursos que tratam sobre esse tema, resolveu encaminhar o tema diretamente para a 2a Seção – responsável por consolidar o entendimento das turmas – e declarar o caso como recurso repetitivo.
Segundo Salomão, é de longa data a jurisprudência do STJ sobre o tema. Ele cita precedentes nesse mesmo sentido tanto na 3ª quanto na 4a turma, além de decisões individuais. De acordo com a decisão do ministro, apesar de não existir um dispositivo no Código de Defesa do Consumidor (CDC) que literalmente imponha a devolução imediata dos valores devidos, a norma optou pelo que ele chama de “fórmulas abertas” para denunciar cláusulas abusivas.
“Se for mantida hígida a mencionada cláusula, o direito ao recebimento do que é devido ao consumidor fica submetido ao puro arbítrio do fornecedor, uma vez que a conclusão da obra é providência que cabe a este com exclusividade, podendo, inclusive, nem acontecer ou acontecer a destempo”, diz no acórdão.
Segundo a decisão, a jurisprudência do STJ tem proclamado tais cláusulas como abusivas. Até porque, segundo os ministros, o construtor poderá “revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, obter vantagem com os valores retidos, além da própria valorização do imóvel, como normalmente acontece”.
Já com relação aos valores, Salomão entende que, se o contrato é rescindido por culpa do consumidor, quando não consegue pagar as parcelas ou desiste do negócio, devem restituídos imediatamente. Porém deve haver uma “calibragem” na quantia a ser devolvida. Ao analisar o tema, Salomão, afirma que o STJ tem adotado como parâmetro razoável a retenção do percentual de 25% sobre as parcelas pagas pelo consumidor. Assim, negou provimento ao recurso da construtora.
O advogado especialista em direito do consumidor Vinicius Zwarg, do Emerenciano, Baggio Advogados Associados, afirma que a decisão deve encerrar a discussão. “A jurisprudência do STJ avançou muito nesse sentido e hoje já existe segurança para dizer que esses valores têm que ser devolvidos de imediato”, diz.
Segundo o advogado, isso é resultado da aplicação literal do CDC, em vigor desde 1991. “Antes disso, valorizava-se o que as partes acertaram em contrato”, explica. Naquela época, segundo o advogado, era muito comum que o comprador recebesse apenas 30% ou 40% do valor pago e de forma parcelada. “Esses contratos eram feitos sem que houvesse um equilíbrio de forças. Há casos em que o comprador perdeu todo o valor investido.”
Para o advogado especializado em direito imobiliário Mário Cerveira Filho, do escritório Cerveira Advogados Associados, qualquer disposição contratual que estabeleça a devolução após o término da obra é abusiva. “Afinal de contas, a incorporadora pode vender o futuro imóvel imediatamente e usar o dinheiro para realizar a obra. Caso devolva o dinheiro do antigo comprador só após o fim da obra, terá trabalhado com dois financiamentos distintos para o mesmo imóvel”, afirma.
A previsão de devolução do dinheiro em parcelas também deve ser anulada, segundo Cerveira. “Quanto mais as obras progridem, mais aumenta o valor do imóvel. Portanto, caso o consumidor rescinda o contrato, a construtora não sofrerá nenhum prejuízo porque poderá vender o imóvel por um preço mais elevado e receberá os valores do novo comprador imediatamente”.
O advogado da APL Incorporações e Construções não foi localizado pela reportagem do Valor para comentar a decisão.
Fonte: iRegistradores | www.iregistradores.org.br
Postado por: Inovar em Documentação Imobiliária | www.inovardoc.com.br