Por Marcelo Augusto Santana de Melo
Foram publicadas no Estado de São Paulo duas leis que prevêem a publicidade de informações ambientais relevantes nos livro do Registro de Imóveis, ratificando a função ambiental do Registro decorrente da evolução do conceito da propriedade imobiliária que deve observar e obedecer a uma função social, principalmente depois da Constituição Federal de 1988 e Código Civil de 2002.
Outro fator importante é a tendência de concentração de informações imobiliárias no Registro de Imóveis no Brasil, o que já foi até objeto de estudo e chamado de princípio pelo ilustre e culto registrador gaúcho João Pedro Lamana Paiva1, mas é preciso reconhecer que não se está utilizando o fólio real como repositório de toda e qualquer informação sem fundamento, as informações ambientais contidas em referidas leis influenciam sensivelmente o próprio direito de propriedade e ambas, como veremos, já foram objeto de reconhecimento nas cortes administrativas no Estado de São Paulo como passíveis de publicidade registral.
I.Áreas contaminadas
A primeira é a Lei nº 13.577, de 08 de julho de 2009 que dispõe sobre o gerenciamento de áreas contaminadas no Estado e traz conceitos importantes além, é claro, de segurança jurídica para o cadastro de áreas contaminadas que anteriormente era alicerçado em leis genéricas de poluição do solo.
Era o Dec. 8.468/76que regulamentou a Lei 997/76, nos arts. 5º e 6º, que estabelecia a atuação da CETESB para o problema de áreas contaminadas, considerando-as como um fator nocivo ao meio ambiente, e citando a integração na esfera municipal.
A averbação de áreas contaminadas foi permitida no Estado de São Paulo desde 12 de junho de 2006, através da Decisão Normativa da Corregedoria-Geral nos autos n. 167/20052.
Como exposto um dos pontos fortes da nova legislação são os conceitos (art. 3º), onde podemos destacar de interesse ao Registro de Imóveis:
Área Contaminada:área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria que contenha quantidades ou concentrações de matéria em condições que causem ou possam causar danos à saúde humana, ao meio ambiente ou a outro bem a proteger;
Área Contaminada sob Investigação:área contaminada na qual estão sendo realizados procedimentos para determinar a extensão da contaminação e os receptores afetados;
Área com Potencial de Contaminação:área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria onde são ou foram desenvolvidas atividades que, por suas características, possam acumular quantidades ou concentrações de matéria em condições que a tornem contaminada;
Área Remediada para o Uso Declarado:área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria anteriormente contaminada que, depois de submetida à remediação, tem restabelecido o nível de risco aceitável à saúde humana, considerado o uso declarado;
Área Suspeita de Contaminação:área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria com indícios de ser uma área contaminada;
Cadastro de Áreas Contaminadas:conjunto de informações referentes aos empreendimentos e atividades que apresentam potencial de contaminação e às áreas suspeitas de contaminação e contaminadas, distribuídas em classes de acordo com a etapa do processo de identificação e remediação da contaminação em que se encontram;
Remediação de área contaminada:adoção de medidas para a eliminação ou redução dos riscos em níveis aceitáveis para o uso declarado;
Observamos, a princípio, que o Cadastro de Áreas Contaminadas é amplo, extenso, contendo informação não somente sobre a área contaminada propriamente dita, mas também sobre áreas suspeitas e potencialmente contaminadas.
Ingressa no Registro de Imóveis tão-somente as áreas efetivamente contaminadas segundo Decisão da Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça. A publicidade das áreas suspeitas e com potencial de contaminação também não foi prevista ou autorizada, o que concordamos, pois contraria a própria finalidade do Registro de Imóveis – que não admite a publicidade de informações precárias e provisórias, o que abalaria o sistema registrário em razão da não-observância do princípio da segurança jurídica.
Parece-nos que a lei estadual previu também conferir a publicidade registral de somente das áreas contaminadas porque trata da averbação no Registro de Imóveis somente quando se refere às áreas contaminadas ou sua remediação:
Segundo o art. 24,
“classificada a área como Área Contaminada, o órgão ambiental competente adotará as seguintes providências:
I – cadastrar a área no Cadastro de Áreas Contaminadas como uma Área Contaminada;
II – informar os órgãos de saúde, quando houver riscos à saúde humana;
III – determinar ao responsável legal pela área contaminada que proceda, no prazo de até 5 (cinco) dias, à averbação da informação da contaminação da área na respectiva matrícula imobiliária;
IV – notificar os órgãos públicos estaduais envolvidos, as Prefeituras Municipais e os demais interessados;
V – notificar o órgão responsável por outorgas de direito de uso de águas subterrâneas na área sob influência da área contaminada, para que promova o cancelamento ou ajustes nos atos de outorga;
VI – iniciar os procedimentos para remediação da área contaminada em sintonia com as ações emergenciais já em curso;
VII – exigir do responsável legal pela área a apresentação de Plano de Remediação.
Parágrafo único – Na impossibilidade de identificação ou localização do responsável legal pela área contaminada, ou em sua omissão, deverá o órgão ambiental competente oficiar ao Cartório de Registro de Imóveis com vistas a que seja divulgada, conjuntamente com as demais informações referentes à matrícula do imóvel, a contaminação da área”.
A regra para se promover a averbação da área contaminada foi modificada, anteriormente era o próprio órgão ambiental o responsável em promover a averbação no Registro de Imóveis, agora é do proprietário ou detentor de direito real a diligência de retirar o termo ou de declaração de área contaminada na CETESB e apresentá-lo ao Registro de Imóveis competente. Idêntico procedimento será realizando quando da remediação ou descontaminação da área (art. 27).
A alteração nos preocupa muito porque sabemos que referida providência poderá demorar demasiadamente e a informação tardia pode prejudicar eventuais adquirentes da propriedade imobiliária. Sabemos também que o proprietário da área num primeiro momento não tem interesse que conste da matrícula de seu imóvel a contaminação, mas espera-se que as penalidades constantes do art. 42 da lei estadual (advertência, multa, embargo, demolição e suspensão de financiamento e benefícios fiscais) sejam suficientes para que a averbação ocorra e num período curto de tempo.
Finalmente a lei se refere sempre ao órgão ambiental competente para constatar e alimentar o cadastro de áreas contaminadas. A regra anterior foi preservada, ou seja, o Dec. 8.468/76 que regulamentou a Lei 997/76, nos arts. 5º e 6º, continua em vigor, estabelecendo a competência da CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo.
Importante inovação foi a criação do Fundo Estadual para Prevenção e Remediação de Áreas Contaminadas – FEPRAC, fundo de investimento vinculado à Secretaria do Meio Ambiente e destinado à proteção do solo contra alterações prejudiciais às suas funções, bem como à identificação e à remediação de áreas contaminadas (art. 30), porque concentrará os recursos necessários para que o procedimento seja célere e eficiente, já que a contaminação de solo é um dos principais problemas da urbanização descontrolada.
II.Áreas de Proteção e Recuperação aos Mananciais
A outra lei é a de nº 13.579, de 13 de julho de 2009, que define a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings – APRM-B, um dos principais reservatórios de água da grande São Paulo e um dos maiores do país.
A Lei Estadual 9.866/97criou o espaço territorialmente protegido e disciplinou que cada reservatório teria legislação própria.
Manancial é qualquer corpo d’água, superficial ou subterrâneo, utilizado para abastecimento humano, industrial, animal ou irrigação. A Lei Estadual de São Paulo 9.866/97 considera mananciais as águas interiores subterrâneas, superficiais, fluentes, emergentes ou depósito, efetiva ou potencialmente utilizáveis para abastecimento público (§ único do art. 1º). Referida lei criou as APRM estabelecendo diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais.
Com relação à publicidade das APRM a Lei foi ousada, in verbis:
Art. 28. O licenciamento de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos, usos e atividades em APRM por qualquer órgão público estadual ou municipal dependerá de apresentação prévia de certidão do registro de imóvel que mencione a averbação das restrições estabelecidas nas leis específicas para cada APRM.
§ 1º As certidões de matrícula ou registro que forem expedidas pelos Cartórios de Registro de Imóveis deverão conter, expressamente, as restrições ambientais que incidem sobre a área objeto da matrícula ou registro, sob pena de responsabilidade funcional do servidor.
§ 2º A lei específica de cada APRM deverá indicar o órgão da administração pública responsável pela expedição de certidão que aponte as restrições a serem averbadas.
§ 3º Caberá ao órgão público normalizador de cada lei específica da APRM comunicar aos respectivos Cartórios de Registro de Imóveis as restrições contidas em cada lei. [grifo do autor]
A lei das APRM da Represa Billings seguiu a mesma sistemática e previu a publicidade registral nos artigos 58, § 7º e 92 através de averbação das restrições impostas.
O Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo na ApCív 575-6/5, da Comarca de São Bernardo do Campo, de 29 de janeiro de 2007, entendeu de suma importância o conhecimento pelo Registro de Imóveis das restrições ambientais decorrentes da área de proteção ao manancial para a correta observância na qualificação dos documentos a ele submetidos3.
Importante inovação da lei é a possibilidade de compensação ambiental nos casos em que a remoção é impossibilitada (art. 89), o que facilitará extraordinariamente a regularização fundiária da área, inclusive com reflexos no Registro de Imóveis, permitindo a formalização da propriedade para milhares de pessoas.
As leis estaduais respeitaram a competência constitucional legislativa4 e a publicidade prevista é acolhida pelo sistema registral vigente, quer pena consagração não taxatividade do rol do art. 167, II da Lei 6.015/76em decorrência do próprio art. 246 da mesma lei, quer pelo efeito de concentração de informações que é natural do instituto, confirmando-se, assim, o dinamismo do Registro de Imóveis no Brasil que vem se adaptando e evoluindo significadamente nos últimos anos.
Fonte: Irib | www.irib.org.br
Postado por: Inovar em Documentação Imobiliária | www.inovardoc.com.br